Para o professor emérito da Universidade de Brasília e membro da
Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de
Brasília (CATMV/UnB), Luís Humberto, o golpe de 1964 não foi apenas
político, mas um golpe contra a inteligência brasileira. “No momento em
que se corta uma ação possível de inteligência atuante, você também
corta as pernas de um país. Foi o que fizeram aqui, com perseguição à
universidade e pessoas, e liquidação do plano do Anísio Teixeira. Os
resíduos de uma ação truculenta e da tentativa de liquidação da
universidade foram tão sérios que não podem ser esquecidos, como não
pode ser esquecido colocar na fogueira todas as pessoas que contestavam a
verdade oficial”, disse.
Criada em agosto de 2012, Comissão
Anísio Teixeira investigou violações de direitos humanos e liberdades
individuais ocorridas no período de 1º de abril de 1964, data do golpe
militar até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição
brasileira. Entre os casos emblemáticos analisados estão o de Anísio
Teixeira, reitor da Universidade de Brasília afastado do cargo pelos
militares, que morreu em 1971 em circunstâncias até hoje questionadas
pela família. Outros casos a serem desvendados são os dos desaparecidos
Honestino Monteiro Guimarães, Paulo de Tarso Celestino e Ieda dos Santos
Delgado.
Segundo o coordenador José Otávio Guimarães, a comissão
não conseguiu localizar os corpos dos desaparecidos ou dar uma resposta
definitiva para o caso Anísio Teixeira. “Mas avançamos muito no
registro da repressão, no mapeamento do aparelho repressor, como ele
funcionava dentro da universidade, com escutas, instaurando um clima de
medo, com punições a alunos e a professores que se colocaram contra o
regime. Avançamos na descrição de torturas que vários alunos sofreram”,
disse. Ele informa que a comissão fez um mapeamento cartográfico da
repressão na UnB, já que ela ultrapassou o campu da universidade, com
alunos que foram levados para ministérios e outros lugares da cidade
para ser torturados.
Mateus Guimarães, sobrinho de Honestino
Monteiro Guimarães, disse que é preciso fazer uma reflexão acerca do
papel das universidades no Brasil e da democracia em que vivemos.
“Continuamos a ver pessoas serem perseguidas por conta daquilo que
pensam, sendo presas e torturadas por conta do que amam e acreditam, e
sendo mortas, ocultadas, por causa da condição em que nasceram.
Então,não podemos nos furtar dessa realidade e do papel central da
universidade de transformá-la”, disse ele.
Sobre as últimas
manifestações no país e as pessoas que pedem intervenção militar para
fortalecer a democracia, Mateus afirma que boa parte da população
continua sendo oprimida pelo sistema a ponto de não ter consciência da
própria capacidade e da responsabilidade enquanto indivíduos.
“Uma
grande questão é o desconhecimento completo do que significa a ditadura
militar. Precisamos fazer com que trabalhos como esse [das comissões da
verdade] se multipliquem de maneira mais contundente para chegar à
população. […] Acredito também que isso seja resultado da desumanização
da sociedade em que vivemos hoje, um processo de inversão de valores
absurdo. Muitas vezes as pessoas dão mais valor a coisas materiais do
que à própria vida, e isso é resultado da natureza como um todo, isso
nos dessensibiliza. Um terceiro ponto muito importante está no fato que,
no Brasil, direitos coletivos são negligenciados em detrimento do
interesse de poucos. Nunca houve, de fato, justiça em relação aos
torturadores e agentes que estiveram envolvidos ou que favoreceram e
efetivaram a ditadura no nosso país. Então, nosso trabalho aqui é de
extrema responsabilidade”, ressalta Mateus.
Ao encerrar a
cerimônia de entrega do relatório, o reitor da UnB, Ivan Camargo, pediu
desculpas a todos que sofreram violações de direitos humanos na
universidade, ocorridas entre 1º de abril de 1964 e 5 de outubro de
1988.
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