Uma das dúvidas atuais é se a reforma da Previdência levará em
conta a disparidade das expectativas de vida no país. Especialistas
consultados pela Agência Brasil divergem
quanto à possibilidade de a reforma levar em conta as diferenças
regionais. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
mostram disparidade entre estados e municípios brasileiros no que diz
respeito ao tempo médio de vida dos habitantes.
A
esperança de vida em Santa Catarina, por exemplo, de 79 anos – a mais
alta do Brasil – está 8,4 anos acima da mais baixa, no Maranhão,
atualmente em 70,6 anos, segundo o IBGE. Além disso, em 19 municípios,
todos no Nordeste, a expectativa de vida da população é de cerca de 65
anos, a idade mínima pretendida na proposta do governo. Do outro lado,
20 municípios do Sul têm expectativa ao redor de 78 anos. Os dados são
do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, do PNUD.
Ante esse panorama, o economista Gilberto Braga, professor de
Finanças da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Ibmec-RJ, acha que o
“tecnicamente correto” seria adequar os regimes de Previdência às
realidades locais. “Acho que a gente poderia ter dois ou três regimes de
idade diferentes. Assim como o horário de verão é diferente [dependendo
do local], não vejo porque não fazer isso”, disse. Segundo ele, uma
maneira de fazer isso seria com uma regra de transição.
“Uma
regra de transição na idade mínima, de maneira que nas regiões com menor
expectativa de vida, com o passar dos anos, [a idade exigida para se
aposentar] fosse aumentando”, explica o economista. Ele acredita,
contudo, que não há um clima político favorável à adoção da ideia.
“Vejo
que esse é um item com o qual o governo deveria se preocupar. Mas ele
[governo], em um primeiro momento, está muito mais preocupado com o
sistema geral. E, se colocar essa discussão na mesa, nesse momento, ela é
mais prejudicial do que favorável à aceitação [da reforma da
Previdência]. Do ponto de vista político, da discussão no Parlamento, eu
acho difícil [prosperar]”.
Equilíbrio
O
economista José Matias-Pereira, especialista em administração pública e
professor da Universidade de Brasília (UnB), tem uma visão diferente.
Ele reconhece que a questão das diversas expectativas de vida é
“importante”. No entanto, considera difícil uma reforma da Previdência
que atenda às disparidades regionais do tempo médio de vida do
brasileiro.
Segundo ele, o principal problema em ter regimes de
Previdência diferentes dependendo da região é a impossibilidade de o
governo controlar a mobilidade da população. “Se você começa a tornar
algo extremamente complexo de operar e tem uma mobilidade de um lado
para o outro, daqui a pouco você não tem mais o controle efetivo. Você
começa a distorcer o controle dessa Previdência”, diz.
Para ele,
não cabe à Previdência tratar da questão das diferenças sociais e
regionais. “Quando você faz um modelo de Previdência Social, o que você
quer é que ela tenha o equilíbrio financeiro e atuarial e garanta para
aquelas pessoas a condição de pagar ao longo do tempo. Esse outro
objetivo, de equalizar a possibilidade de as pessoas viverem mais, é um
problema de outras políticas públicas. A Previdência não pode estar
preocupada com essa questão”.
Centrais sindicais
Já
entidades representativas dos trabalhadores defendem que a reforma
contemple as diferenças regionais e que o ônus de equilibrar as contas
previdenciárias não recaia exclusivamente sobre os usuários do sistema. O
presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, é a
favor da cobrança de débitos de empresas em atraso com a contribuição.
“Você
pode fazer várias modificações. Por exemplo, acabar com a sonegação,
porque a maior parte das empresas sonega. Também acabar com o trabalho
informal, porque aí [com mais trabalhadores formalizados] você vai
renovando as pessoas que entram na Previdência”, afirma Freitas.
A
cobrança às empresas também é defendida por João Carlos Gonçalves, o
Juruna, secretário-geral da Força Sindical. “A reforma, para nós, tem
outro viés. É o viés da melhoria da arrecadação, da cobrança de
atrasados, de repensar uma estrutura de aposentadoria que seja
igualitária para todos. O que não podemos é focar apenas na questão de
diminuir o custo, pois isso é cortar o social e prejudicar quem está lá,
quem já teve dificuldade e vai ter mais ainda para chegar aos 65 anos”.
O
diretor de administração do Sindicato Nacional dos Aposentados, Julio
Quaresma Filho, afirma que a reforma da Previdência, como está
formatada, privilegia os habitantes das regiões mais desenvolvidas e com
mais escolaridade.
“Quem tem um pouco mais de condições
econômicas, se forma, trabalha em uma atividade um pouco mais
requintada, faz alguma coisa mais técnica. Mas esse pessoal de trabalho
braçal vai ter muitos problemas. E não consegue [trabalhar], com 65
anos, a fábrica vai achar que ele já não está produzindo muito, e vai
dispensar”, teme o sindicalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário