sábado, 24 de setembro de 2016

Libertos, mas nem tanto!? Como assim?

Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Gálatas 5:1

Gospel Prime (compartilhamento)

Paulo afirma em 1 Coríntios 6:12:
Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas.
Paulo estava escrevendo tal carta para alertar os irmãos da Igreja em Corinto sobre certos assuntos que estavam adentrando àquela congregação. Em sua segunda viagem missionária, o apóstolo havia passado por Corinto e pregado o evangelho ali naquela localidade, mas chegou até a ciência dele de que os irmãos estavam se envolvendo em alguns problemas, como brigas, contendas, imoralidades. Estava havendo, inclusive, divisões dentro da igreja e Paulo se indigna com tal situação e por isso escreve sua primeira carta aos irmãos daquela localidade.
A passagem em questão apresenta a defesa de Paulo diante das colocações que os membros daquela igreja estavam dando para poderem fazer o que bem entendessem. Tal expressão excedia os limites do comportamento cristão aceitável[1]. De acordo com Carson[2], alguns homens da congregação de Corinto tinham uma ideia tão errônea de sua suposta espiritualidade que achavam que estavam livres para se relacionarem com prostitutas, presumivelmente com base no raciocínio de que isso envolvia apenas o corpo.
Este pensamento era pregado pelos gnósticos, que defendiam que o santo é aquilo que não é físico, neste caso, o espiritual é mais puro, mais santo que o físico. Assim sendo, o pecado que eles cometiam, estavam somente cometendo no corpo, diante da liberdade que adquiriram em Jesus.
Eles estavam transformando a liberdade em libertinagem. Paulo, então, coloca uma adversativa. Ele usa um “mas”, um “porém”. Isso, porque para a sociedade e para a igreja de Corinto todas as coisas eram lícitas. A expressão todas as coisas me são lícitas era usado pelos coríntios como um jargão para justificarem sua conduta imoral. Para Radmacher[3], Paulo fez com que eles se lembrassem de que o fato de estarem livres das leis cerimoniais de Moisés não lhes dava licença para pecar ou se entregar ao próprio egoísmo. Isso só iria escravizá-los no pecado do qual Jesus os havia libertado.
Bem, podemos ver que Paulo estava tratando de um assunto num contexto específico, mas cabe a nós, nos questionarmos sobre qual liberdade o apóstolo estava falando e se ela é, ainda hoje, um valor absoluto ou é na verdade uma questão de grau. Esta liberdade é plena ou implica restrições e repressão? É o que veremos agora.
A liberdade da qual Paulo se referiu em 1 Coríntios 6:12 e que ele repete no capítulo 10:23 da mesma carta, trata-se de uma liberdade cristã. De acordo com Douglas[4], a liberdade cristã não é nem a abolição da responsabilidade nem a sanção à licenciosidade. O crente não está “debaixo da lei” (Rm 6.14) para sua salvação, mas nem por isso está sem regra, pois não está “sem lei para com Deus” (1 Co 9.21). Tal liberdade se refere a estamos livres para amar e servir a Deus e aos homens. Se a usarmos como desculpa para a libertinagem, estaremos assumindo para nós a mesma fama que os coríntios levavam, como pessoas imorais e totalmente depravadas. De acordo com o Dicionário Online de Português[5], libertinagem se refere ao comportamento das pessoas que se entregam desmedidamente aos prazeres sexuais. Muitos confundem a liberdade cristã com libertinagem, porém entendemos que são duas coisas totalmente opostas. Uma agrada a Deus e outra é reprovada por Deus.
Paulo também tratou sobre este assunto com os irmãos de Galácia. Em Gálatas 5:13-15, lemos:
Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutualmente destruídos.
Aqui o apóstolo, sendo inspirado pelo Espírito Santo, diz que fomos chamados para tai liberdade. Mas logo após fazer tal afirmação, ele passa a explicar qual era a liberdade para a qual fomos chamados. Para MacDonald[6], a liberdade cristã de Gálatas 5:13 não permite o pecado; antes, fomenta o serviço amoroso. O amor é visto como motivação para todo o comportamento cristão, enquanto sob a lei, motivação é medo de castigo.
Para John Sott[7], a liberdade que Paulo apresenta aos gálatas, não se refere a nada que os desejos carnais podem pedir. Muito pelo contrário, pois ele apresenta a liberdade cristã de três formas, sendo: (A) a liberdade cristã não é liberdade para satisfazer a carne; (B) a liberdade cristã não é liberdade para explorar nosso próximo e (C) a liberdade cristã não é liberdade para ignorar a lei.
Podemos entender assim que, esta liberdade para qual fomos chamados, não se refere a uma liberdade para pecar, mas sim, uma liberdade do pecado. A liberdade do cristão está em Cristo e isso exclui qualquer ideia de que de alguma maneira possa significar liberdade para pecar. Não devemos usar tal liberdade para dar lugar a nossa natureza pecaminosa, caída, pois Cristo nos libertou para a liberdade do jugo da escravidão que antes tínhamos pela lei de Moisés (Gl 5:1). A exploração ao próximo também não pode fazer parte de nossa conduta, usando como justificativa a nossa liberdade. Aliás, Paulo vai nos exortar dizendo que devemos usar de tal liberdade para o serviço, em amor.
Mas o que mais nos chama a atenção e que, podemos dizer que é o ponto máximo de nossa reflexão é que a liberdade cristã não é liberdade para ignorar a lei. Logo, entendemos que a liberdade é uma questão de grau. Às vezes pode ser um pouco complexo de compreender o que Paulo realmente que dizer, já que ele diz que fomos libertos da lei e não devemos nos submeter novamente ao jugo de escravidão que é a lei, mas ao mesmo tempo ele nos chama a obedecer a lei.
A lei a qual o apóstolo se refere que não devemos nos submeter são as leis cerimoniais de Moisés e as práticas judaizantes que os gálatas estavam querendo voltar a praticar. Paulo, portanto os diz que Cristo já os libertou desta lei e, portanto, nossa salvação não depende de tal observância. Porém, se por um lado nossa salvação não é possível pelo cumprimento da lei, nossa santificação consiste no cumprimento da lei.
Chegamos então a um ponto crucial. Se há lei, há regras, há restrições, seria a liberdade um valor absoluto?
Muitas vezes somos tentados a ver a liberdade em Cristo como uma ocasião egoísta à carne, em outras palavras, uma oportunidade para fazer tudo o que queremos fazer. Contudo, Paulo mostra que a verdadeira liberdade cristã serve para que os cristãos sirvam uns aos outros em caridade.
Não é difícil encontrarmos pessoas que dizem “Eu faço tudo o que quero, pois em Cristo eu sou livre”. Acabamos de ver que não é bem assim. Para encontrarmos a verdadeira liberdade cristã, precisamos chegar ao meio termo, ao equilíbrio, pois somos, muitas vezes, tentados a irmos aos extremos. Ou interpretamos a liberdade como licenciosidade e fazemos o que bem entendemos, ou aplicamos a lei sobre todos. É em algum ponto entre algum ponto entre a licenciosidade e o legalismo que encontramos a verdadeira liberdade cristã.
É exatamente por este motivo que Paulo tem um cuidado para explicar o nosso chamado em Gálatas 5, como acabamos de ver. O cristão é livre da culpa do pecado, pois experimentou o perdão de Deus. Ele é livre do castigo do pecado, pois Cristo morreu na cruz. Além disso, por meio do Espírito, ele é livre do poder do pecado sobre sua vida diária. Isso não significa ser rebelde sem lei, mas não precisa mais de força exterior da lei para manter-se dentro da vontade de Deus, porque tem a direção interna do Espírito de Deus.
Liberdade é uma palavra que anda na boca de todo mundo nos dias de hoje. Há diferentes formas de liberdade, e muitas e diferentes pes­soas a usam. Com frequência é possível encontrar pessoas que afirmam poder fazer o que quiserem, pois possuem a liberdade que Deus lhes deu. Inclusive, muitos cristãos a usam para seus próprios fins e prazeres, usando-se também de 2 Coríntios 3:17 para dizerem que onde há o espírito de Deus, ali há liberdade. Porém, fica evidente de que Paulo estava se referindo à liberdade da escravidão da lei cerimonial e da obscuridade em relação às Escrituras.
Chegamos à conclusão de que a liberdade não se trata de um valor absoluto, mas pode e é limitada dentro dos parâmetros bíblicos éticos e sociais. A verdadeira liberdade se encontra na obediência às restrições corretas. A mesma lei que nos cerca e nos dá proteção nos defende dos outros; as restrições que regulam nossa liberdade também servem para nos dar segurança e proteção. Não é o controle apenas, mas o controle correto e uma obediência alegre que fazem do homem um ser livre.
Por isso mesmo, Paulo vai dizer que nem todas as coisas convêm. Ele não nega que podemos fazer qualquer coisa, mas alerta-nos dizendo que, uma vez libertos por Cristo, certas atitudes que tínhamos antes não condizem com nossa nova postura. Assim como nós hoje, talvez fosse especialmente necessário que Paulo advertisse os leitores acerca do abuso da liberdade. Quando os homens são constrangidos pela lei durante algum tempo e depois ganham liberdade, há sempre o perigo de irem da extrema escravidão para o desleixo. O equilíbrio apropriado é o que se encontra entre a lei e a liberdade. O cristão este livre da lei, mas não está sem lei.
Simone de Beauvoir[8] foi uma escritora francesa que viveu entre 1908 e 1986. Certa vez, de Beauvoir disse que o homem é livre; mas ele encontra a lei na sua própria liberdade. Esta frase de Simone nos faz refletir sobre o paradoxo da liberdade. Talvez a liberdade seja como um peso e duas medidas que devemos cuidar para que um dos lados não fique mais penso que o outro.
REFERÊNCIAS
Carson, D. A. Introdução ao Novo Testamento. [Tradução: Márcio Loureiro Redondo] – São Paulo: Vida Nova, 1997.
Dicionário Online de Português: Disponível em: < http://www.dicio.com.br/libertinagem/> Acessado em 21 de Junho de 2016.
Douglas, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. [Editor da edição em português: Russell P. Shedd, tradução: João Bentes]. 3ª Edição – São Paulo; Vida Nova, 2006.
Kistermarker, Simon. 1 Coríntios – Comentário do Novo Testamento. [Tradução: Helen Hope Gordon da Silva]. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
MacDonald, William. Comentário Bíblico Popular – Novo Testamento – São Paulo: Mundo Cristão, 2011.
Radmacher, Earl. O Novo Comentário Bíblico NT, com recursos adicionais – A Palavra de Deus ao alcance de todos. [Editores: Earl Radmacher, Ronald B. Allen e H. Wayne House]. Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2010.
Stott, John R. W. A mensagem de Gálatas: somente um caminho – São Paulo: ABU, 2003.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Simone_de_Beauvoir> Acessado em: 21 de Junho de 2016.
[1] Kistemaker (2004, p.274)
[2] Carson (1997, p.288)
[3] Radmacher (2010, p.421)
[4] Douglas (2006, p.774)
[5] Disponível em: <http://www.dicio.com.br/libertinagem/> Acessado em 21 de Junho de 2016.
[6] MacDonald (2011, p.600)
[7] Stott (2003, p.128-130)
[8] Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Simone_de_Beauvoir> Acessado em: 21 de Junho de 2016.
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